A história do Tchecoslovaco (Albert Camus - O estrangeiro)
(...)
Entre a enxerga e as tábuas da cama, eu encontrara, com efeito, um velho bocado de jornal, amarelecido e transparente, quase colado ao pano. Relatava um acontecimento cujo início faltava, mas que devia ter sucedido na Tchecoslováquia.
Um homem partira de uma aldeia para fazer fortuna. Ao fim de vinte e cinco anos, rico, regressara casado e com um filho. A mãe dele, juntamente com a irmã, tinham uma estalagem na aldeia. Para lhes fazer uma surpresa, deixara a mulher e o filho noutra estalagem e fora visitar a mãe, que não o reconheceu. Por brincadeira, tivera a idéia de se instalar num quarto como hóspede. Mostrara o dinheiro que trazia. De noite, a mãe e a irmã tinham-no assassinado à martelada e atirado o corpo para o rio. No dia seguinte de manhã, a mulher do desgraçado viera à estalagem e revelara, sem saber, a identidade do viajante. A mãe enforcara-se. A irmã atirara-se a um poço. Devo ter lido esta história milhares de vezes. Por um lado, era inverossímil. Por outro lado, era natural. De todos os modos, achava que o viajante merecera até certo ponto a sua sorte e que nunca se deve brincar com estas coisas. (...)
[Albert Camus, O Estrangeiro (original: L’Étranger), Antônio Quadros (trad.), publicação original: 1942
digitalização: 2000] - https://www.sabotagem.revolt.org
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