"Vem, Noite antiqüíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite

Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito. (...) "
[Álvaro de Campos (F. Pessoa), Fragmento de Ode I, in: "Fernando Pessoa: poesia", por Adolfo Casais Monteiro, 10ª ed., Rio de Janeiro, Agir, 1989, p. 76 (col. Nossos Clássicos)]

"(...) noites como esta, em que já não me será dado viver."
[Jostein Gaarder, "A garota das laranjas", Trad. Luiz Antônio de Araújo, São Paulo, Companhia das Letras, 2005, p. 127 (citação possivelmente de outrem, constante também em alguma página anterior, provavelmente)]
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quinta-feira, 29 de março de 2012

POEMINHA: ÚLTIMA VONTADE (Millôr Fernandes)

POEMINHA: ÚLTIMA VONTADE (Millôr Fernandes)



Enterrem meu corpo em qualquer lugar.

Que não seja, porém, um cemitério.

De preferência, mata;

Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.

Na tumba, em letras fundas,

Que o tempo não destrua,

Meu nome gravado claramente.

De modo que, um dia,

Um casal desgarrado

Em busca de sossego

Ou de saciedade solitária,

Me descubra entre folhas,

Detritos vegetais,

Cheiros de bichos mortos

(Como eu)

E, como uma longa árvore desgalhada

Levantou um pouco a laje do meu túmulo

Com a raiz poderosa,

Haja a vaga impressão

De que não estou na morada.

Não sairei, prometo.

Estarei fenecendo normalmente

Em meu canteiro final.

E o casal repetirá meu nome,

Sem saber quem eu fui,

E se irá embora,

Preso à angústia infinita

Do ser e do não ser.

Ficarei entre ratos, lagartos,

Sol e chuva ocasionais,

Estes sim, imortais.

Até que um dia, de mim caia a semente

De onde há de brotar a flor

Que eu peço que se chame

Papáverum Millôr



(extraído do livro “Papáverum Millôr”, de Millôr Fernandes, editora Prelo, 1976 | Reproduzido no Jornal “Folha de São Paulo”, edição de 29/março/2012, caderno Cotidiano, p. C11, por ocasião da morte de Millôr Fernandes)

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