Livros, leitores e antileitores (Roberto Damatta) - excertos
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Tal como as pessoas, os títulos dos livros enganam leitores, bibliotecários e autores. Um sujeito bem vestido e falante, quando devidamente aberto, revela-se uma toupeira ou um Evereste de empáfia. Um nobre ministro surge como um chefe de quadrilha feito por ONGs que desviam dinheiro público para um partido cujo nome remete a abnegados e virtuosos.
Meu colega e amigo, o cientista político Eduardo Raposo, ouviu de seu primo Lobinho a seguinte história: um sujeito chega a uma biblioteca e pede um livro de botânica. O funcionário prontamente lhe apresenta com um sorriso alvar Raízes do Brasil.
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Na esteira dos antileitores, voltei ao Raposo e ele relata que seu primo Lobinho havia feito uma grande descoberta. Na tal biblioteca onde Raízes do Brasil está na estante de botânica, O Idiota surge na de psicologia, A Interpretação dos Sonhos, na de esoterismo; Sobrados e Mucambos está catalogado como engenharia e Montanha Mágica, como astrologia. Já Memórias Póstumas de Brás Cubas entra como kardecismo; Lolita, na lista de livros para moças; A Guerra das Salamandras, em história militar; Cem Anos de Solidão, na prateleira de geriatria; O Cru e o Cozido, na de culinária, e Hamlet, na de receitas inglesas. Já Madame Bovary surge na de pornografia; Os Maias, na de etnologia centro-americana; As Neves do Kilimanjaro, no setor de clima e ecologia; as Viagens de Gulliver, no de turismo; O Poder e a Glória, no de política; e, por fim e para encurtar uma infindável história, Carnavais, Malandros e Heróis, inclassificável por não ser lido, é listado tanto nas obras devotadas às escolas de samba, quanto está na prateleira de fraudes e contravenções.
Tentei interpelar a diretora, mas desisti. Ela é "blindada"!
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